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segunda-feira, 14 de março de 2011

O desconto dos emolumentos na primeira aquisição de moradia

Melhim Namem Chalhub - DLI n°. 34 - ano: 2009 (Artigos e Comentários)





O art. 290 da Lei 6.015/1973 assegura desconto de 50% nos "emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação..." (redação dada pela Lei 6.941/1981).



Embora editada em 1981, essa norma legal está relacionada à materialização do direito fundamental da moradia, assegurado pelo art. 6º da Constituição de 1988, e, portanto, foi recepcionado pela Carta Magna.



Sucede que, apesar de esse desconto estar há muito consolidado na prática, vez por outra invoca-se o art. 39 da Lei 9.514/1997 para questionar esse direito do cidadão.



A Lei 9.514/1997 estabelece as condições gerais do sistema de financiamento imobiliário (SFI) e regulamenta a alienação fiduciária de bens imóveis; nas disposições finais, diz o art. 39 que as normas da Lei 4.380/1964 (que criou o SFH) não se aplicam às operações de financiamento em geral (que são objeto da Lei 9.514/1997); partindo da premissa de que o desconto previsto no art. 290 da LRP destina-se à primeira aquisição "financiada pelo SFH," mas, considerando que a alienação fiduciária foi regulamentada pela mesma Lei 9.514/1997, argumenta-se que o cidadão não teria direito ao desconto de 50% dos emolumentos se a aquisição da primeira moradia, embora financiada pelo SFH, seja contratada com garantia fiduciária.



A premissa é falsa e a conclusão, insustentável.



Como se sabe, o sistema de garantias reais é composto não só pelas espécies definidas no Código Civil, mas também por inúmeras outras espécies criadas por leis esparsas. Todas essas garantias reais são de aplicação geral, só se admitindo restrição se a lei restringir expressamente.



A alienação fiduciária de bens imóveis é uma das garantias instituídas por lei especial, a Lei 9.514/1997, que dispõe, também, sobre as operações do SFI. Essa lei é composta por dois conjuntos de normas, um deles dispondo sobre a estrutura operacional do SFI e outro regulamentando a alienação fiduciária.



Esses conjuntos são enunciados em dois capítulos distintos, independentes, e a independência das normas sobre a garantia fiduciária deflui claramente da leitura do § 1º do art. 22 da Lei 9.514, que "descola" essa garantia da estrutura do SFI, liberando sua aplicação para além dos limites do SFI, nos seguintes termos:



"§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:"





A alienação fiduciária, portanto, não é exclusividade do SFI, e seu campo de aplicação veio a ser ampliado ainda mais pela Lei 10.931/2004, que permite seu emprego para garantia das obrigações em geral, abrangendo, obviamente, também os contratos de aquisição da primeira moradia a que se refere o art. 290 da LRP. Veja-se o disposto no art. 51 da Lei 10.931/2004:



"Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel."





Efetivamente, a alienação fiduciária é tão somente um contrato de garantia, tal como o é a hipoteca, a anticrese, o penhor, a caução de direitos aquisitivos, entre outros contratos de garantia.



O emprego de uma ou outra dessas garantias não descaracteriza um contrato do SFH e, portanto, não retira o direito de desconto assegurado por lei.



No que tange à alienação fiduciária, embora regulamentada na chamada Lei do SFI, suas disposições encontram-se em capítulo independente, que colocam esse contrato de garantia no sistema de garantias reais do direito positivo brasileiro, do mesmo modo que outras garantias regulamentadas por outras leis especiais, como são os casos da caução de direitos creditórios ou aquisitivos e a cessão fiduciária de créditos; essas garantias são, todas elas, aplicáveis a quaisquer operações, não havendo razão alguma para afastar sua aplicação nos financiamentos de aquisição da primeira moradia.



Anote-se, por relevante, que a lei que regulamentou a alienação fiduciária de imóveis estendeu seu campo de aplicação a todo e qualquer negócio, nada justificando que, por interpretação isolada do art. 39 da Lei 9.514/1997, se prejudique exatamente o cidadão que adquiriu sua primeira moradia, pelo simples fato de a entidade do SFH ter utilizado a garantia fiduciária.



A par da hermenêutica constitucional, que necessariamente orienta a interpretação de todo o sistema legislativo, as regras mais elementares de hermenêutica não admitem a interpretação isolada de determinado dispositivo, como é o caso do art. 39 da Lei 9.514/1997.



O objeto do art. 39 são as normas relativas às condições operacionais dos financiamentos, sobretudo aquelas enunciadas no art. 5o da Lei 9.514/1997, que permite às partes pactuar livremente as condições do financiamento, a taxas de mercado; o art. 39 afasta a possibilidade de livre pactuação nas operações do SFH e visa reafirmar que essas continuam tendo suas taxas são tabeladas e seguindo a regulamentação ditada pelo Banco Central, notadamente em relação à aplicação de recursos captados mediante depósitos de poupança; é somente esse o sentido do art. 39 da Lei 9.514/1997: a reafirmação da aplicação das normas operacionais do Banco Central às operações do SFH, e não a inviabilização do emprego da garantia fiduciária.



Ora, a concessão de um financiamento do SFH com garantia fiduciária não importa em aplicação de normas do SFI, mas apenas de contratação de alienação fiduciária, cujas normas são independentes das normas específicas do SFI e integram o sistema de garantias do direito positivo, aplicável para a qualquer obrigação, seja pecuniária ou não, do SFH, do SFI, de operações bancárias ou entre particulares, tal como dispõe o art. 51 da Lei 10.931/2004.



Além de tudo isso, importa atentar para que o objeto do art. 290 da LRP são os "atos relacionados com a primeira aquisição" de moradia, e não a espécie de garantia constituída para esse fim. O desconto é assegurado para a "primeira aquisição", que pode ter como garantia a hipoteca, a propriedade fiduciária ou qualquer outra garantia real.



Assim, pouco importando se a garantia do financiamento é a hipoteca ou a propriedade fiduciária, mas se se trata de aquisição da primeira moradia, o mutuário faz jus ao desconto de 50% dos emolumentos.



Em suma, o ato que assegura o desconto é o de aquisição da primeira moradia, quaisquer que sejam os contratos utilizados para esse fim, seja compra e venda com pacto adjeto de hipoteca, compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária, promessa de compra e venda, cessão de direitos aquisitivos ou, enfim, qualquer espécie de contrato cuja função seja a compra da primeira moradia, pouco importando a garantia oferecida pelo tomador do financiamento.



*Advogado e Professor. Autor dos livros Negócio Fiduciário (4. Ed), Direitos Reais e Da Incorporação Imobiliária (2. Ed), entre outros.

Um comentário:

  1. Prof. Paulo Viana Cunha,
    Recebi o contrato de compra e venda de minha primeira moradia hoje. A maior parte dos recursos são oriundos do consórcio imobiliário que possuo e se aplica a garantia de alienação fiduciária do imóvel.
    Gostaria de saber se faço jus ao desconto das taxas cartorárias?
    Agradeço antecipadamente pela atenção,
    Frederico Santos
    fgpls80@gmail.com

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DESAPROPRIAÇÃO DA AVENIDA PEDRO I

Paulo Viana Cunha é advogado especializado em negócios imobiliários. Representando comerciantes da região, formou Comissão de Moradores e Comerciantes da Av. Pedro 1º, com objetivo de conhecer os projetos e debater, com a comunidade e o Poder Público Municipal, algumas alternativas que atendam ao interesse público, com menor impacto para a Comunidade local.Os interessados podem contatar a Comissão pelo Telefone (31) 2551-2718.


Ares de mudança começam a rondar, pelo menos no papel, o entorno da Avenida Pedro I, que corta as regiões Pampulha e Venda Nova, em Belo Horizonte. A prefeitura decretou de utilidade pública, para fins de desapropriação, cerca de 240 imóveis no Bairro Santa Branca, na primeira região. Publicada ontem no Diário Oficial do Município (DOM), a decisão é um importante passo para duplicar a via e implantar o Transporte Rápido por Ônibus (BRT, bus rapid transit, em inglês). Junto das avenidas Pedro II/Carlos Luz e Cristiano Machado, o corredor Antônio Carlos/Pedro I vai receber o novo sistema, principal aposta do poder público para agilizar o trânsito na capital, visando a Copa do Mundo de 2014. Inspirado no metrô, o sistema conta com pistas exclusivas para os coletivos, plataformas em nível, pagamento da tarifa antes do embarque, além de ônibus articulados. Apenas para preparar o caminho para o novo modelo de transporte, a prefeitura calcula um gasto de R$ 180 milhões em desapropriações, além dos R$ 217,7 milhões da duplicação. O projeto total é orçado em R$ 700 milhões. Pela previsão da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), as desapropriações, que vão ocorrer, sobretudo no sentido Centro/bairro, começam em janeiro e as máquinas entram em campo dois meses depois. Já em setembro, a BHTrans, empresa que gerencia o tráfego da capital, decide qual consultoria dará apoio à execução das obras de requalificação da Pedro I. Atualmente, a via tem duas pistas de duas faixas em cada sentido, e será duplicada em toda sua extensão. São cerca de 3,5 quilômetros, compreendidos entre as avenidas Portugal e Vilarinho. A obra amplia em 27 metros a via, por onde circulam cerca de 45 mil veículos diariamente. O corredor ganha mais uma pista, com duas faixas por sentido, exclusiva para transporte coletivo. Depois de concluída esta primeira fase, será iniciada de fato a implantação do BRT, com a construção de estações de embarque e desembarque de passageiros, além de terminal de integração com outras linhas. A previsão é que no segundo semestre de 2012 a população já possa circular nos ônibus articulados, nos moldes de capitais como Curitiba e Bogotá (Colômbia). INDENIZAÇÃO A notícia deixa em alerta quem mora ou trabalha nas proximidades da avenida, consagrada pelo comércio de automóveis e materiais de construção. Apesar de não ter havido proposta formal, proprietários de imóveis temem receber valor aquém ao de mercado, aquecido pela especulação imobiliária. Já os inquilinos lamentam abandonar a avenida, e outros respiram aliviados, com a desapropriação parcial do terreno, dando oportunidade de permanecer no ponto. Preocupados com as mudanças, moradores e comerciantes formaram comissão para acompanhar todo processo. A discussão foi, inclusive, pauta de audiência pública na Câmara Municipal esta semana. De acordo com o advogado da Comissão dos Moradores e Comerciantes da Pedro I, Paulo Viana Cunha, a principal preocupação é em relação ao preço a ser pago pelos imóveis. “Além de desapropriar, em muitos casos, a medida mata o negócio. E a prefeitura já disse que não pagará a indenização para fins de comércio”, ressalta. Segundo ele, moradores também questionam a poluição do ar e sonora trazida pela obra. Essas questões serão discutidas, segunda-feira, em reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam). Especulação eleva preços Há mais de 30 anos na Avenida Pedro I, na altura do Bairro Santa Branca, Região da Pampulha, a Pujal Autopeças passou ilesa pela primeira duplicação da via, quando o comandante dos negócios era ainda o pai de Marcelo Marques Teixeira, que divide a gerência da loja com mais dois irmãos. Desta vez, eles estão na lista de desapropriação e, de malas prontas, lamentam a mudança forçada para nova sede, no bairro vizinho, o Santa Mônica. “Vamos perder muito com a mudança. Queríamos ir para a Avenida Portugal, aqui perto, mas a especulação aumentou demais. O preço está fora da realidade. Tem terreno de 1 mil metros quadrados valendo R$ 1 milhão”, comenta. A expectativa é conseguir receber da prefeitura valor compatível com o investimento de uma vida. “O ponto aqui é sem comparação”, afirma. Se, para os comerciantes, a preocupação é o sustento, para os moradores a dor de cabeça é a perda da tranquilidade. A contabilista Sirley Nascimento, de 37, sofre com os engarrafamentos diários e reconhece a importância da duplicação, mas também teme impactos negativos das intervenções. “Não sabemos se a estrutura do prédio vai aguentar. Pelo projeto, vai passar um viaduto bem ao lado”, reclama a moradora. O prédio fica às margens da avenida, bem em frente ao Parque Municipal Lagoa do Nado, área verde que não sofrerá alterações com a obra. (FA) *Publicado em: 27/08/2010 / Estado de Minas / Gerais